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fevereiro 26, 2012

Um homem 2


Chovera à tarde, mas a noite não estava tão fria. Ao longe ouviu uns trovões e torceu para que realmente ultrapassasse o caráter de ameaça. Desejava a chuva, gostava de ver as pessoas passando ensombrinhadas e cuidadosas na sua pressa sextaferina. Na sua alma chovia constantemente; às vezes era apenas um chuvisco afetuoso.
Mas disso ela, que estava indo, não queria saber. Quando sinalizou o the end? Ele tentou rememorar todos os pequenos finais - sim, porque o gran finale é construído peça por peça, um doloroso e insuspeito quebra-cabeça.
Os banhos que não mais compartilhavam, um cuidando do outro, amando-se ao sabor da água, peles deslizantes - quando parou de acontecer? Isso seria um sinal?
Não brincavam mais; faiscavam-se. Qualquer coisa era um princípio de incêndio verbal, de portas batendo, de olhos alucinados, repentinamente estranhos e inimigos e cruéis - quando? quando?
Quando foram parando de se ouvir, um silêncio oceânico submergindo seus mais antes preciosos momentos? Ele sentiu um aperto no peito e baixou os olhos, envergonhado de si mesmo. A garganta começou a doer, não, não, não queria olhos de quem havia chorado demais. Agora fazia frio ou ele estava tão sozinho a não mais suportar?
Fechou os olhos e (re)sentiu as mãos dela massageando suas costas, era tão bom, nunca precisava pedir. Nunca mais... Nunca mais ela deitada ao seu lado simplesmente para conversar, ouvir música, rumorejar, sentirem-se, enternecerem-se, adormecerem-se. Nunca mais madrugadas e penumbra, olhos abertos, carne em febre.
Não aguento mais tanto marasmo sexual - ela disse. E então relampejou-lhe na lembrança que parou de tocá-la depois de, pela terceira vez, flagrar em seu olhar que não fora tão bom assim, que o céu fazia-se cada vez mais distante. Aquele olhar dela cravou-se dentro dele para sempre e voluptuosidades nunca mais outra vez.
Tacitamente esperou que ela começasse a morar em outro ser, aceitava-se amante inútil a se movimentar sem desenvoltura por esse novo cenário. Que alguém logo a pinçasse de sua vida e fizesse renascer o sorriso em seu rosto e alimentasse o calor de seu corpo e a fizesse esquecer que um dia, lá atrás, eles se pertenceram tanto e se bastaram tanto, era melhor que esquecesse seu nome, seu rosto, suas portas secretas, suas reticências. Esqueceria, sabia. Porque ele, agora e até não sabia quando, só queria morrer.
Alvorada. O céu o traiu, a chuva perdeu-se. Mas, afinal, a arte de perder acaba não sendo nenhum mistério. Não é, Bishop*?


* Referência ao poema A arte de perder, da autora americana Elizabeth Bishop.

Um comentário:

  1. Em alguns momentos me lembre d'A História de Lily Braun.

    "Nunca mais romance, nunca mais cinema
    (...)
    Uma rosa nunca, nunca mais feliz."

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