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novembro 15, 2011

Um homem


A chuva caiu repentina, mas não suavizou o calor. Ele olhou com melancolia para as coisas sendo banhadas, telhados, verdes, sombrinhas coloridas. Andava se sentindo tão só, muito além de sua própria solidão.
Seus olhos araram a paisagem chuviscada. Desde que ficara inegavelmente evidente que tudo se perdera, experimentava esse vazio pesado dentro do peito. Se fenecera a paixão, ainda a amava... Havia momentos em que se sentia entorpecido pela saudade de tudo que fora ou que prometido pela vida. Sentia falta dela sua, deles dois um do outro - o que não mais poderia, até pensou em reembarcar na viagem, mas não, não mais poderia.
Porque agora aquele outro encontro na vida dela acontecera, longe dele, e cenas incertas o assombravam, roubando-lhe o sono e o senso de direção. Sentia-se desarvorado, as ideias brincando com o inesperado. Alguém a tocara, afinal, provara-a, conhecera-a - teriam ficado abraçados depois, teriam tomado banho juntos (ela gostava)? -, viu-a rindo (ele não mais a fazia rir), dera a conhecer os seus segredos, suas historinhas, sua cor preferida, nada mais restara a ele agora, nenhum presente único. Ela tinha aquele colo lindo sobre o qual ele repousara e acreditara na felicidade tantas vezes. E agora, Outro. Alguém. Tão difícil conseguir parar de pensar. E cada vez que a olhava quase não suportava a certeza de que o encanto se desvanecera, e as tais imagens adivinhadas refluíam, o corpo dela e outro corpo, o prazer renovado, sua vida de mãos dadas com outra vida, outra voz, outras palavras, outra magia. E a saudade que ela devia sentir agora (não dele, não dele...).
Ah, as exigências da paixão (ele ainda lembra quando os dias eram misto de escarlate e azul, e as noites eram de lua e música). Quando ela distraída, olhava-a e sentia como se o tempo não tivesse passado e tudo ainda fosse um ontem bom. Mas eis que as tais cenas projetavam-se em sombras a cravar as garras em seu peito e neutralizavam qualquer carícia, o gesto não lhe pertencia mais, ela já caminhava por dentro de outra história. Outras lições a esperavam...
Às vezes ela parecia voltar ao que foram antes - uma espécie de complacência pelo abandono dele. Um antigo carinho... como se soubesse... que ele estava morrendo. As mentiras (não, não, pequenas omissões) o haviam ferido mortalmente - ter descoberto, ter suspeitado versus ter sabido: diferença essencial. Mas não a culpava. Ele falhara quando se deixou derrotar pelo cotidiano, pelas transformações que vieram dar à praia de ambos, quem sabe pelo quê mais. Começou a oferecer-lhe tédio, começaram a trocar farpas e pequenas mágoas e minutos tristes e silêncios e distâncias e fel. Restava-lhe entender e recolher-se para dentro de si mesmo, lá para o fundo da caverna, onde não corresse mais o risco de conhecer ninguém, porque não queria conhecer ninguém, sabia que não teria mais ninguém, só o que queria eram noites breves e dias mais breves ainda. E que ao menos ela voltasse a voar. (Telma Monteiro)