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maio 03, 2012


a flor secreta floresce
a despeito da palavra abandono
rompem-se os dias e as memórias
assumirão novas plumagens
mas a flor, frágil e solitária
tacitamente persiste, em puro verde
tessitura leve - asa de borboleta
alimenta-se da minha estupefação e do meu medo
minhas mãos nem as tuas jamais 
conseguirão
sufocá-la

abril 27, 2012


   Esperam-me dias sombrios. Não importa se verão, choverá dentro de mim. Pequenos tornados ocasionais revolverão músicas e poemas e delicadas saudades implacavelmente. Talvez eu enlouqueça e imploda; mas vaso ruim, cabra das montanhas, alma vira-lata, sobreviverei.
   One is the loneliest number that you ever do.*
   Mamãe, me aqueça, porque sou novamente uma menininha sentada num canto, olhando para o quintal e esquecida por todos, banalíssima, um objeto quase, tão silenciosa. Ainda gosto quando chove, mas não mais me entreto a construir barquinhos de papel - mãos desajeitadas mas olhos de carinho pelo barquinho indo, enfrentando gotas e correntezas... até virar e desmanchar-se o sonho.
   Sou um dos meus barquinhos de papel e só é noite, mas não chove, faz frio, mas não chove, e uma correnteza veio e me virou.
   One is the loneliest number that you ever do.



*Da música One, de Aimée Mann..



março 08, 2012

Oitavo dia


   Comemorando-se mais um Dia Internacional da Mulher... E se houve um tempo em que ser mulher exigia a qualidade da submissão, hoje (apesar da resistência de alguns e algumas) ser mulher exige peito aberto para a vida e olhares livres em direção a todos os horizontes.
   A liberdade, no entanto, a despeito das aparências, ainda não é tão grande quanto a merecemos. Ainda sabemos muito de preconceito, assim como os negros, os índios, os homossexuais. Ainda não alcançamos a força máxima da liberdade que a nós é devida. Contudo, também já não somos o que éramos, já não somos tão minoria frágil, já não somos apenas sangue e dor.
   Lentamente descobrimos que também a nós pertence o direito de escolher nosso próprio prazer; que também podemos semear, cultivar e colher sonhos e ideais, e não apenas inspirar ou assistir na sombra as fantasias e realizações de outrem; que temos um corpo que pode recusar a condição de simples animal doméstico e ser olaria, atelier, estúdio, oficina de arte a produzir algo diferente, original.
   A escolha é nossa? Nem sempre. Mas quase sempre, capazes que somos de virar a mesa, rodar a baiana, lutar para seduzir o contra e torná-lo a favor, seja ele uma pessoa, um ambiente, uma situação. Capazes que somos de pelo menos tentar.
   Porque mulher é isso: não desistir diante do provável adverso, ter esperança do nem sempre possível, dominar a arte de arriscar e insistir pelo melhor, muita adrenalina e jogo de cintura, tática, estratégia e emoção.
   Ser mulher é saber escolher o melhor lado do lado quente do ser. Que não façamos por menos. Merecemos, sim, tudo do bom e do melhor que pudermos alcançar. (T. M.)



*Imagem: Ser Mulher, acrílico sobre tela de Simone Rosa.

fevereiro 26, 2012

Um homem 2


Chovera à tarde, mas a noite não estava tão fria. Ao longe ouviu uns trovões e torceu para que realmente ultrapassasse o caráter de ameaça. Desejava a chuva, gostava de ver as pessoas passando ensombrinhadas e cuidadosas na sua pressa sextaferina. Na sua alma chovia constantemente; às vezes era apenas um chuvisco afetuoso.
Mas disso ela, que estava indo, não queria saber. Quando sinalizou o the end? Ele tentou rememorar todos os pequenos finais - sim, porque o gran finale é construído peça por peça, um doloroso e insuspeito quebra-cabeça.
Os banhos que não mais compartilhavam, um cuidando do outro, amando-se ao sabor da água, peles deslizantes - quando parou de acontecer? Isso seria um sinal?
Não brincavam mais; faiscavam-se. Qualquer coisa era um princípio de incêndio verbal, de portas batendo, de olhos alucinados, repentinamente estranhos e inimigos e cruéis - quando? quando?
Quando foram parando de se ouvir, um silêncio oceânico submergindo seus mais antes preciosos momentos? Ele sentiu um aperto no peito e baixou os olhos, envergonhado de si mesmo. A garganta começou a doer, não, não, não queria olhos de quem havia chorado demais. Agora fazia frio ou ele estava tão sozinho a não mais suportar?
Fechou os olhos e (re)sentiu as mãos dela massageando suas costas, era tão bom, nunca precisava pedir. Nunca mais... Nunca mais ela deitada ao seu lado simplesmente para conversar, ouvir música, rumorejar, sentirem-se, enternecerem-se, adormecerem-se. Nunca mais madrugadas e penumbra, olhos abertos, carne em febre.
Não aguento mais tanto marasmo sexual - ela disse. E então relampejou-lhe na lembrança que parou de tocá-la depois de, pela terceira vez, flagrar em seu olhar que não fora tão bom assim, que o céu fazia-se cada vez mais distante. Aquele olhar dela cravou-se dentro dele para sempre e voluptuosidades nunca mais outra vez.
Tacitamente esperou que ela começasse a morar em outro ser, aceitava-se amante inútil a se movimentar sem desenvoltura por esse novo cenário. Que alguém logo a pinçasse de sua vida e fizesse renascer o sorriso em seu rosto e alimentasse o calor de seu corpo e a fizesse esquecer que um dia, lá atrás, eles se pertenceram tanto e se bastaram tanto, era melhor que esquecesse seu nome, seu rosto, suas portas secretas, suas reticências. Esqueceria, sabia. Porque ele, agora e até não sabia quando, só queria morrer.
Alvorada. O céu o traiu, a chuva perdeu-se. Mas, afinal, a arte de perder acaba não sendo nenhum mistério. Não é, Bishop*?


* Referência ao poema A arte de perder, da autora americana Elizabeth Bishop.

fevereiro 21, 2012

É pra você, infame...


É pra você, infame, que nestas palavras me emaranho, que me banho de vinho tinto e me embriago de Carpe Diem. Sensatez passa longe quando a vida me põe assim simplesmente fissurada. Penteio meus desejos com delicadeza, afino meus carinhos, ensaio meus uivos de amor. Decoro Neruda enquanto me visto, cantarolo Cazuza enquanto me calço, completamente blue.
Ah, mas algo me diz, infame, que você não merece minha nudez de poeta, nem meus arrepios de mulher. Não merece uma gota do meu ser ao teu ouvido, nem meu amor sussurrado às tuas costas, nem minhas cenas de paixão, nem as letras do teu nome em chocolate branco, nem as letras do meu nome em chocolate negro, nem eu imprevisível amante marginal.
Acho que não sou bastante infame pra você.
Esta noite vou te matar. Num sonho qualquer.


*Imagem: Butterfly Factory, ilustração do artista francês Julien Pacaud.