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janeiro 30, 2010

   "Se o cotidiano lhe parecer pobre, não o acuse: 
acuse a si mesmo de não ser bastante poeta 
para extrair as suas riquezas." 
(Rainer Maria Rilke, em Cartas a um jovem poeta)


   Anteontem pela manhã, céu acinzentando-se para receber a chuva da tarde, aconteceu um fato poético que - Ave! - fui capaz de ver a tempo. Uma pequena pétala que voa*, asas marrons e brancas, pousou no meu braço, quase à altura do ombro. Pousou e ficou o tempo bastante para cristalizar o presente.
   E senti-me, súbito, um ser eleito, digno de experiências além do limite da realidade - conversar com anjos, sobrevoar o tempo nas costas de um dragão...
   Tá bom, sei, grande coisa, não foi nada demais. Mas permita-me, Deus, experimentar uma gota de envaidecimento. Perdoe-me pelo meu orgulho ao olhar minhas mãos limpas de sangue e por ainda me descobrir capaz de encantar-me com essa alegria boba que estremeceu meu coração jurássico. Uma borboletinha silvestre fez-me um carinho inesperado e pincelou meu dia de sonho. 

* referência a Clarice Lispector

janeiro 29, 2010

esta cidade não tem sentidos para a minha dor
não importa: eu vi a lua mais de perto
de presente essa cratera de paixão 
no meu peito
um passado mal resolvido não basta
para me deter

cães ladram desesperados, aturdindo a noite
os filhos da desordem também vão deixando pelas ruas
o seu código de caos
mas não importa: eu senti a lua mais de perto
de prova esse carinho com que escrevo

foi breve, quase fantasia
nenhuma palavra inesquecível
mas eu toquei o corpo da lua
senti seu movimento, abracei sua cor

e era dia
   (Telma Monteiro)

Pausa para relaxar (e eu me divirto com tanta inocência...)

  • O Ateísmo é uma religião anônima.
  • Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto.
  • A harpa é uma rosa que toca.
  • A principal função da raiz é se enterrar.
  • A insônia consiste em dormir ao contrário.
  • O batismo é uma espécie de detergente do pecado original.
  • A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos. 
  • O fidibeque é a mesma coisa que a retroinformação, ou seja, a informação que vem por trás. 
  • Quando um animal irracional não tem água para beber, só sobrevive se for empalhado.
  • Os incas eram tão adiantados que já tinham até a circulação do sangue.
  • Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor.
  • Resposta a uma pergunta: "Não cei."

janeiro 25, 2010

Fala, Schneider - momento I

A estrada é uma serpente branca
abrindo caminho na floresta de
árvores altas e com raízes cobertas
por um denso tapete de folhas secas.
Uma ou outra folha vadeia ao vento.


Eu adoro luas amarelas e manhãs azuis.
Nas noites de lua cheia eu fico uivando para os meus amores que se esqueceram de existir.
E converso com as paredes e com as sombras nas paredes.
E com meus botões também.

Penso muito e nada faço.
Procurei uma cartomante e ela me disse...
...me disse que eu ainda vou longe, e que a minha morte ainda vem longe, e que eu não vou conseguir realizar nada,...
...nem plantar um filho no jardim de casa.
Que eu não vou conquistar o mundo.
Que eu não tenho nenhum lugar garantido no céu.
E eu disse que queria saber do meu futuro. Do meu futuro!
Mas ela disse que o pior de tudo eu já passei.

Sou eu quem alimento os cães. Só eles me olham nos olhos e entendem os meus silêncios abissais.
Depois, quando eu vou para o meu quarto, quase não durmo. Minha mãe me castiga todas as noites por eu ter dormido durante os dez minutos em que ela agonizava.
Então eu saio e fico viajando em ovnis que ainda verei um dia (a verdade está bem lá fora e eu ainda acredito). Assim me falaria Zarathustra, ao sabor de um licor de menta.

Me apaixonei por um anjo que só vi uma vez, uma vezinha só. Ele tinha uns olhos tristes, como se guardasse um segredo, como se não pudesse escapar à própria sorte. Nesse dia, era um grande dia, eu trazia as mãos vazias.
E eu o amei porque ele me lembrava Silvana Mangano. A mesma boca, os mesmos olhos...
E todos os dias eu penso nele, e queria guardá-lo pra mim e andar com ele pela tarde. Como agora, veja, estamos indo de encontro ao sol... 
                                            (Telma Monteiro)



janeiro 12, 2010

O que andei lendo

   O passado é um álbum de fotografias onde as cenas fora de foco não entram. É a realidade revisada: recordar é esquecer a banalidade dos fatos.

   O que as revistas femininas deveriam receitar é: não acredite em tudo o que ouve. Nem em tudo o que diz. Suspenda a descrença quando quiser prazer. Não subestime os outros, nem os idolatre demais. Seja educada, mas não certinha. Faça coisas que nunca imaginou antes. Não minta, nem conte toda a verdade. Dance sozinha quando ninguém estiver olhando. Divirta-se enquanto seu lobo não vem.

   "Para um escritor, a linguagem é seu bem mais precioso. É uma relação que envolve enorme cuidado, respeito, quase uma reverência religiosa. Ela é trabalhada de maneira muito pessoal porque é através dela que criamos nossa identidade como escritor." (Mario Vargas Llosa)


   (...) nada nos deixa mais vulneráveis do que cruzar a fronteira do imaginário. Do outro lado, ninguém sabe o que há.

            (Martha Medeiros. TREM-BALA. Coleção L&PM Pocket.)

janeiro 11, 2010

A culpada

   Não foi na escola, mas sim por meio de minha mãe que li o meu primeiro Machado de Assis - O Alienista. Lembro de uma coleção de fotonovelas que ela cultivava como um jardim, composta de clássicos da literatura universal. E, ao contrário de outras fotonovelas romanescas da época, aquelas ela me deixava ler. Assim, aos 11, 12 anos, soube de A Dama das Camélias, Ana Karênina, Romeu e Julieta,... Guilherme Tell!
   E havia também as minhas coleções, que ela religiosamente alimentava (com o dinheirinho dos trabalhos e aulas de bordado): Batman, Super-Homem, Superboy, Tio Patinhas... Ah, a alegria tola e indescritível quando ela chegava da rua com um novo número. Ela sempre chegava da rua com algum agradinho - um pastel de carne, um chocolate na forma de pequenos índios ou moedas... Era o seu esboço de carinho.
   Interiorana, escola primária, bordadeira, jardineira, boleira. Adorava cantar, de Dalva de Oliveira e Dircinha Batista a Elis e Chico. E ler. E arte.
   Época momesca ou junho e seus cordões de pássaros e quadrilhas, lá íamos nós ver as "batalhas" nos palanques de samba. Voltávamos de madrugada, num tempo de ladrões de galinhas e boêmios românticos vagando por ruas de paralepípedos.
   Lembro dela quando escuto o som raríssimo do triângulo anunciando cascalho. Quando sinto cheiro de café coado em saco de pano. Quando ouço Iolanda, com Chico; Romaria, com Elis; Kiss me Quick, com Elvis; Morena de Angola, com Clara Nunes; Manhãs de Setembro, com Vanusa... "Tudo vai mudar no dia que eu partir/Nada do que fomos vai sobreviver...", com Roberto (qual o nome dessa música, meu Deus?)... Música, música!
   Penso nela quando leio ou falo ou ouço poemas de uma simplicidade encantadora (como ela teria gostado de Manoel de Barros). Penso nela quando vejo um jardim com papoulas e rosas, quando vejo aquelas batas floridas e de cores suaves, quando vejo alguma cena flash-back na tv, Chacrinha, Bolinha, Irmãos Coragem, Sangue e Areia... Chá de erva-cidreira, talco Joyeux, caldo de cana com unha de caranguejo, pão cacetinho molhado no café, goiabeira (e como doíam aquelas lambadas de cipó de goiabeira nas minhas pernas, nossa!)... Quando como "saia velha"... Nunca mais comi "espernegado" e "capitão".
   Ela tinha tanto medo de morrer só. A vida lhe fez estragos no corpo e rasgou em feridas sua essência. E na hora final, as cores da aurora insinuando-se no céu, eu estava lá. Só nós e os anjos passando entre nós... Vinte dois anos. Nem parece. Lembro tanto, alguns tempos mais, outros menos. Mas não esqueci. (Telma Monteiro)

janeiro 08, 2010


É pra você, infame
que nestas palavras me emaranho
que me banho de vinho branco
e me embriago de almíscar.
Sensatez passa longe
quando a vida me põe assim
simplesmente fissurada.
Penteio meus desejos com delicadeza
afino os meus carinhos
ensaio os meus uivos de amor.
Decoro Neruda enquanto me visto
cantarolo Cazuza enquanto me calço
(completamente blue!).

Ah, mas algo me diz, infame
que você não merece minha nudez de poeta
nem meus arrepios de mulher.
Não merece nem uma gota do meu ser ao teu ouvido
nem meu amor sussurrado às tuas costas
nem minhas cenas de paixão
nem as letras do teu nome em chocolate branco
nem as letras do meu nome em chocolate negro
eu imprevisível amante marginal.

Acho que ainda não sou bastante infame pra você.
Esta noite vou te matar
num sonho qualquer.
                                   

janeiro 01, 2010

   Último dia no calendário. Pensei que fosse chover - uma chuva cristalizante, delicada mas intermitente, quase como ontem. Ou ontem foi quase assim. Todavia, há mais mistérios entre a natureza e a meteorologia do que sonham as nossas vãs moças do tempo.   
   Calor, mesmo que não intenso, irritante. Como sempre. Eu e qualquer verão não nos cruzamos. Ele me faz sofrer, me irrita, me cansa, aumenta a minha conta de luz...!
   Hoje também estou especialmente desastrada. Quebrei um dos meus anjos, este de vidro (e minha vida não é um filme). Na verdade, nem foi tanto um descuido: desconfio que o anjinho...suicidou-se. Saltou de minhas mãos sabendo que não poderia confiar em suas frágeis e translúcidas asas. Saudades do céu.