Chovera à tarde, mas a noite não estava tão fria. Ao longe ouviu uns trovões e torceu para que realmente ultrapassasse o caráter de ameaça. Desejava a chuva, gostava de ver as pessoas passando ensombrinhadas e cuidadosas na sua pressa sextaferina. Na sua alma chovia constantemente; às vezes era apenas um chuvisco afetuoso.
Mas disso ela, que estava indo, não queria saber. Quando sinalizou o the end? Ele tentou rememorar todos os pequenos finais - sim, porque o gran finale é construído peça por peça, um doloroso e insuspeito quebra-cabeça.
Os banhos que não mais compartilhavam, um cuidando do outro, amando-se ao sabor da água, peles deslizantes - quando parou de acontecer? Isso seria um sinal?
Não brincavam mais; faiscavam-se. Qualquer coisa era um princípio de incêndio verbal, de portas batendo, de olhos alucinados, repentinamente estranhos e inimigos e cruéis - quando? quando?
Quando foram parando de se ouvir, um silêncio oceânico submergindo seus mais antes preciosos momentos? Ele sentiu um aperto no peito e baixou os olhos, envergonhado de si mesmo. A garganta começou a doer, não, não, não queria olhos de quem havia chorado demais. Agora fazia frio ou ele estava tão sozinho a não mais suportar?
Fechou os olhos e (re)sentiu as mãos dela massageando suas costas, era tão bom, nunca precisava pedir. Nunca mais... Nunca mais ela deitada ao seu lado simplesmente para conversar, ouvir música, rumorejar, sentirem-se, enternecerem-se, adormecerem-se. Nunca mais madrugadas e penumbra, olhos abertos, carne em febre.
Não aguento mais tanto marasmo sexual - ela disse. E então relampejou-lhe na lembrança que parou de tocá-la depois de, pela terceira vez, flagrar em seu olhar que não fora tão bom assim, que o céu fazia-se cada vez mais distante. Aquele olhar dela cravou-se dentro dele para sempre e voluptuosidades nunca mais outra vez.
Tacitamente esperou que ela começasse a morar em outro ser, aceitava-se amante inútil a se movimentar sem desenvoltura por esse novo cenário. Que alguém logo a pinçasse de sua vida e fizesse renascer o sorriso em seu rosto e alimentasse o calor de seu corpo e a fizesse esquecer que um dia, lá atrás, eles se pertenceram tanto e se bastaram tanto, era melhor que esquecesse seu nome, seu rosto, suas portas secretas, suas reticências. Esqueceria, sabia. Porque ele, agora e até não sabia quando, só queria morrer.
Alvorada. O céu o traiu, a chuva perdeu-se. Mas, afinal, a arte de perder acaba não sendo nenhum mistério. Não é, Bishop*?
* Referência ao poema A arte de perder, da autora americana Elizabeth Bishop.
Em alguns momentos me lembre d'A História de Lily Braun.
ResponderExcluir"Nunca mais romance, nunca mais cinema
(...)
Uma rosa nunca, nunca mais feliz."