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setembro 23, 2010

Arvoredo II


   A moça com olhos de jabuticaba lembrou que tivera um pé de laranjeira na infância, que só lhe dera duas coisas: a esperança de um dia ver uma flor, branca, cerosa, de cinco pétalas... e muitas formigas!
   As formigas... Meus fracassados pés-de-milho só me deram isso também, nada mais. Contudo, a esperança alimentada pelo sonho das flores de laranjeira, moça, isso não tem preço, não foi inútil, jamais em vão. Perfumou aquele tempo.
   Porque esperança é algo maior do que uma simples longa espera. Não é somente esperar alguém chegar, por exemplo, com eternidades de atraso. É alimentar-se de uma possível (ainda que hipotética) chegada. De um possível (ainda que incerto) sorriso. De que uma inesperada e feérica (adoro a palavra!) descoberta aconteça, afinal (assim: meu Deus, você estava aí, todas as voltas do relógio, e eu não te vi; você estava aí, como quem não quer nada, mas me querendo tanto, e eu não te senti; você estava aí e eu aqui, e nós...).
   A esperança não é uma espera vazia, distraída ou monótona. Ela rege o impossível, o amanhã, o inesperado, o improvável - e guia nossa crença, fazendo-nos até ignorar a lógica. A esperança tem vida própria e não teima, mas naturalmente insiste, sutilmente resiste. Inexplicável.
   Faço de conta que não sei da ainda viva esperança de ver vingar uns pés-de-milho e, de brinde, ensolarados girassóis. E agora, eis que quero também flores de laranjeira, para não me deixar enlouquecer e me fazer dormir. (T. M.)

setembro 22, 2010

Arvoredo

                                                                                         Foto: Telma Monteiro

   Abacateiro. Abiu colando os lábios. Ameixeira. Cajueiro. Mangueira. Mamoeiro. Bananeira. Fruta-pão. Jaqueira. Açaizeiro. Cacaueiro. Cupuzeiro.  Goiabeira. As árvores da minha vida, companheiras da minha infância, sujando as mãos, os dentes, manchando as roupas, enchendo a barriga, galho ora virando cavalo galopando ao vento, ora inimigo fornecendo cipó para lambar e dar lição.
   Todas se foram, seres de estimação. Morreram, foram cortadas, uma chuva mais forte as derrubou... Outros mamoeiros, obra de passarinhos, não das minhas mãos.
   Mas, tão longe a infância, eis que surpreendi um pezinho de goiabeira em meio ao mato, em meio ao seixo. Sei lá por que o deixei ir ficando, e fui vendo-o criar corpo, ir virando árvore, comecei cuidar, podar, regar, bem gostando de estar sendo encantada, eu que nunca fui de lavoura.
   Minha goiabeira já dá frutos, gostosos, que digam os passarinhos. E quando chove... Ah, fica tão bonita, larga, aberta e verde, rejuvenesce meu coração. O Pequeno Príncipe tinha um baobá no seu planeta. Eu tenho uma goiabeira. Dentro e fora de mim.(T. M.)

setembro 15, 2010

Comportamento Geral - Gonzaguinha

Voto: pensar bem é obrigatório


   Em tempo de (pouca) política e (muita) politicagem, nunca será demais ler e meditar sobre este poema de Bertolt Brecht - Perguntas de um trabalhador que lê:

Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros constam os nomes dos reis.
Os reis arrastaram os blocos de pedra?
E a Babilônia tantas vezes destruída
Quem a ergueu outras tantas?
Em que casas da Lima radiante de ouro
Moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros
Na noite em que ficou pronta a Muralha da China?
A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.
Quem os levantou? Sobre quem triunfaram os césares?
A decantada Bizâncio só tinha palácios
Para seus habitantes?
Mesmo na legendária Atlântida,
Na noite em que o mar a engoliu,
Os que se afogavam gritavam pelos seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os gauleses.
Não tinha pelo menos um cozinheiro consigo?
Felipe de Espanha chorou quando sua Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu, além dele?
Uma vitória em cada página.
Quem cozinhava os banquetes da vitória?
Um grande homem a cada dez anos.
Quem pagava suas despesas?
Tantos relatos.
Tantas perguntas.

                                                                                                         (Imagem: Trabalhadores, de José Sabóia)