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janeiro 11, 2010

A culpada

   Não foi na escola, mas sim por meio de minha mãe que li o meu primeiro Machado de Assis - O Alienista. Lembro de uma coleção de fotonovelas que ela cultivava como um jardim, composta de clássicos da literatura universal. E, ao contrário de outras fotonovelas romanescas da época, aquelas ela me deixava ler. Assim, aos 11, 12 anos, soube de A Dama das Camélias, Ana Karênina, Romeu e Julieta,... Guilherme Tell!
   E havia também as minhas coleções, que ela religiosamente alimentava (com o dinheirinho dos trabalhos e aulas de bordado): Batman, Super-Homem, Superboy, Tio Patinhas... Ah, a alegria tola e indescritível quando ela chegava da rua com um novo número. Ela sempre chegava da rua com algum agradinho - um pastel de carne, um chocolate na forma de pequenos índios ou moedas... Era o seu esboço de carinho.
   Interiorana, escola primária, bordadeira, jardineira, boleira. Adorava cantar, de Dalva de Oliveira e Dircinha Batista a Elis e Chico. E ler. E arte.
   Época momesca ou junho e seus cordões de pássaros e quadrilhas, lá íamos nós ver as "batalhas" nos palanques de samba. Voltávamos de madrugada, num tempo de ladrões de galinhas e boêmios românticos vagando por ruas de paralepípedos.
   Lembro dela quando escuto o som raríssimo do triângulo anunciando cascalho. Quando sinto cheiro de café coado em saco de pano. Quando ouço Iolanda, com Chico; Romaria, com Elis; Kiss me Quick, com Elvis; Morena de Angola, com Clara Nunes; Manhãs de Setembro, com Vanusa... "Tudo vai mudar no dia que eu partir/Nada do que fomos vai sobreviver...", com Roberto (qual o nome dessa música, meu Deus?)... Música, música!
   Penso nela quando leio ou falo ou ouço poemas de uma simplicidade encantadora (como ela teria gostado de Manoel de Barros). Penso nela quando vejo um jardim com papoulas e rosas, quando vejo aquelas batas floridas e de cores suaves, quando vejo alguma cena flash-back na tv, Chacrinha, Bolinha, Irmãos Coragem, Sangue e Areia... Chá de erva-cidreira, talco Joyeux, caldo de cana com unha de caranguejo, pão cacetinho molhado no café, goiabeira (e como doíam aquelas lambadas de cipó de goiabeira nas minhas pernas, nossa!)... Quando como "saia velha"... Nunca mais comi "espernegado" e "capitão".
   Ela tinha tanto medo de morrer só. A vida lhe fez estragos no corpo e rasgou em feridas sua essência. E na hora final, as cores da aurora insinuando-se no céu, eu estava lá. Só nós e os anjos passando entre nós... Vinte dois anos. Nem parece. Lembro tanto, alguns tempos mais, outros menos. Mas não esqueci. (Telma Monteiro)

3 comentários:

  1. Eu como saia velha, espernegado e capitão! Este último é minha mãe quem me dá na boca, porque gosta.
    Entendo o que é lembrança de mãe. A minha ainda está por perto (ah, como agradeço a Deus), mas toda vez que penso nela coleciono mais coisinhas no meu baú de memória. No momento oportuno (espero que demore muito, quem dera a eternidade), vou abri-lo, como você fez aqui, para olhar novamente para ela.
    Por que mães fazem isso conosco?

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  2. Telma, não me faça chorar...
    Quando Renato Teixeira canta Irmãos da lua, Quando a Vanusa canta Comunicação,
    Quando a Selma canta o Beco do Mota,
    Quando a Jane cantar Verdes anos,
    A nostalgia me invade e eu ouço a
    Araci Cortes penetrar pelas paredes do meu peito com suas Reminiscências:
    "Senti, ainda uma uma vez o perfume teu
    A doce embriaguez que morreu
    Achei talvez mais sabor
    Ao ressuscitar nosso caso de amor
    que tu mesmo "fizeste" findar..."

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  3. Dona Vijoca!Eu sabia que esse ser ímpar só poderia ser a obra mais bela dela!

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