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maio 07, 2010

Tarde de chuva

   
   Sentada à mesa, pela janela aberta a minha frente assisto a chuva, forte, chicoteante. A goiabeira de copa larga dança em volteios e faz-me relembrar a suavizada euforia de brincar na chuva, pés descalços espocando poças. Simplesmente delicioso.
    Não escuto nenhum som humano porque a voz da chuva antecipa-se a tudo. Gosto tanto disso, dessa espécie de silêncio acolhedor, pleno de natureza, um cheiro único, água e mato e pedras. Nenhuma voz ferindo a hora, agredindo a vida, só a chuva e o vento conferindo ao meu cantinho um ar de retiro nas montanhas.
   Revisito outras lembranças que herdei. Quando chovia assim, como agora, e estávamos sós, minha mãe chamava para a rede e ficávamos nos embalando, ela ao meio, cantando, contando histórias do seu passado de moça do interior, anedotas e charadas. Minha mãe era mulher de piadas e charadas. "Quatro pernas, em cima de quatro pernas, esperando quatro pernas. Quatro pernas não veio, quatro pernas foi embora e quatro pernas ficou." Aliviava-me a alma. Sempre tive tanto medo de trovoadas e cia. "Bobagem... É só Deus arrumando os móveis lá em cima.", denunciava. E eu gostava de acreditar. Preciso tanto voltar a acreditar em algumas coisas.
   E as sombras bruxuleando na parede? Assombrações num cenário trovejante e relampejante, meu coração parava. Mistérios invencíveis que não resistiam quando ela trazia o meu medo para a luz (ou vice-versa). Não eram nada, revezavam-se galhos, roupas dependuradas, qualquer algo inofensivo que minha fantasia de menina que lia demais agigantava. Mas ela incentivava brincar com as nuvens, sombras brancas que já viviam na luz, singrando por uma tela azul, sendo levadas lentamente pela correnteza das horas. "Só não veja apenas carneirinhos. É tão comum..."
   A chuva passou e é tempo de enfrentar as sombras de uma caótica realidade. Os raios e relâmpagos não são mais fenômenos fantásticos e eu mal consigo inventar coisas e adulterar pequenas verdades. Não sou mais tão límpida. (T.M.)

2 comentários:

  1. É tão bom quando temos boas lembranças onde possamos nos refugiar, quando a brutal realidade nos atropela e nos violenta!Lindo texto como sempre!Ah se a dona Vijoca estivesse por aqui pra ler os textos da filhota dela,se sentiria tão orgulhosa!

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  2. Às vezes tudo não passa de chuva, capim e terra.
    Nós que insistimos na metafísica quando, na verdade, deveríamos ter continuado meninos...
    Sempre digo para meus alunos: essa é a época de brincar, cair e pedir colo; depois será muito difícil fazer isso novamente.
    teus textos acabam comigo - nunca escreverei assim, me falta propriedade.
    Mando abraços!
    (estou enganado ou você é daquelas que, nos raros momentos de folga, deita em uma rede e fica tentando relembrar a Fátima cantando: "... um rouxinol no meio do jardim; uirapuru canta pra mim; e eu sou feliz só por poder ser..."???)

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