Hora ferida

procuro em Cristina C uma saída

but Mia Farrow translúcida

sabe dançar com as angústias bem melhor do que eu

imagino suas mãos ardendo em fúria

"os poemas são para nós uma ferida"

(te escuto, sim, querida

mas não posso fazer nada

na minha alma bruxuleia sombra terrível:

             impotencialidade

para abrir os braços e deixar

que o coração assuma

tanto os enganos quanto os encontros

preciso de alguém para guiar minhas mãos

pelos caminhos que desejo)

encorujada me debruço sobre papéis

meus, teus, de outros

um namoro mal necessário eterno com as palavras

também sinto a fúria pela revelação

mas eles não entendem

não voam e concordam que enlouqueço silenciosamente

quando chegarem aqui tomara que seja tarde

muito tarde

recuso-me a silenciar minha alma

recuso-me a renegar minha emoção 

*Imagem: Escritos de Ana Cristina César.

Pedrinhas francesas no caminho

Um romance... 
ou se escreve ou se vive... 
(Pirandello)

   Uma vez meu coração sobressaltou-se para nunca mais. Recebera um presente clandestino - alguém me escrevera um poema. Magros versos delicadamente em francês, frágeis borboletas subitamente invadindo o meu dia. E lembro que era um daqueles dias de um vazio sufocante.

Mon amour par toi c'est trés grand

et toutes les choses n'ont pas importance

si tu n'est pas avec moi.

Mais, même loin, je t'aime,

parce que mon amour par toi c'est l'infinite.

   Tínhamos codinomes porque nos cativáramos ("eu protegi teu nome por amor..."), e aos poucos certas músicas foram se incorporando a nossa história. Sim, tão comum, mas eu não sabia que era assim quando duas pessoas são surpreendidas pelo acaso em meio aos volteios da realidade.

   Um dia, a realidade mostrou sua força e os codinomes foram estilhaçados. Então me atrevi a construir um pequeno canto secreto com pedrinhas francesas, por pura solidão.

Parlez encore. Vous voudriez aussi de moi? Je suis la, regarde, je suis devant vous. Essayez de voir. C'est presque l'aube. Le jour est venu aux fenêtre. N'ayez pas peur, viens. À ce corps, à ce visage, à cette peau nue. Viens pour faire mon corps moins seul.

(Telma Monteiro)

Seguindo Clarice II

Entre a palavra e o meu pensamento existe o meu ser. (Clarice Lispector) O que faço com ele? Visto-o pra presente e tento agradar aos guardiões da tradição, família e propriedade e vida medíocre e beijinhos sociais e insossos? Ou ergo uma taça de vinho tinto e brindo ao absurdo de ser verdadeiro nestes tempos de farsa nada medieval?

*

Onde está o meu sinônimo na vida? (Clarice Lispector) - ouço alguém bradar da cobertura de um prédio da cidade. Uma dúvida me vem à tona: serei eu? serei eu? Mas meu coração, melindroso, logo me põe no meu devido lugar: serás sempre um atônito antônimo. Ah, indelicado coração que sempre se esquece de colocar um pouco de mel na ponta de suas flechas... (Telma Monteiro)

*Imagem: Homesickness, de René Magritte.

Psicologia animal

O direito à propriedade sob o ponto de vista de um cão:

- se eu gosto, é meu;

- se está na minha boca, é meu;

- se eu conseguir tirar de você, é meu;

- se fui eu quem viu primeiro, é meu;

- se ficou um pouquinho comigo, é meu;

- se você deixar algo cair no chão, aquilo passa automaticamente a ser meu. Mas, se tiver quebrado,... então é seu. 

(Carlos Vinícius de Moraes)

Só de palmatória!

Um professor, dando aulas por mais de 30 anos, recolheu centenas de frases de seus alunos. Eis algumas:

• A batata tem uma raiz tuberculosa.
• Os fósseis da Era Paleolítica foram os primeiros fósseis encontrados vivos.
• Todo aquele que acredita na sua religião irá para onde tem de ir depois de morto.
• A palavra cruzada surgiu durante uma discussão dos cruzados na Idade Média.
• Na Grécia Antiga os deuses viviam como uma família normal.
• Os advogados, como são muito importantes, seus salários se chamam honorários.
• Genética: os gêneses são os portadores da herança.

(Carlos Eduardo Novaes)